sábado, 19 de setembro de 2009

"a poesia está na dor"



Essa moça aí da foto é Ana Cristina César.

Ana C. ficou conhecida por ser uma das principais poetisas da geração de "poetas marginais", na década de 70, junto com Chacal, Armando Freitas Filho, Chico Alvim e outros. Ana cometeu suicídio aos 32 anos.
Estou lendo "a teus pés", um dos poucos livros deixados por ela. Começou a escrever muito cedo (diz-se que aos quatro anos já ditava para sua mãe escrever). Outro exemplo do talento precoce de Ana é o poema abaixo, "a terceira noite", escrito aos nove anos. Nove! E é de impressionar a genialidade da menina.


¹A TERCEIRA NOITE

Era uma terceira noite.
O giroscópio girava girando.
Minha gravata balouçava no ar.
Meus guizos tocavam tocando.
Meu coração batia batendo.

Subi as escadas da noite.
Desci as escadas do dia.
Fui descendo para cima,
E subindo para baixo!

Mas num dado momento,
Eis que sibila o vento
As escadas se corrompem
O quarto dia despenca
E a nova noite aqui fica

Em, "a teus pés", o estilo de Ana é veloz, pulsante e reflete seu modo de viver (ana viajou, estudou e leu muito). Nos poemas as ideias se sobrepõe, imagens se cruzam. Desses encontros, surgem novas ideias. Ninguém melhor para explicá-lo (e defendê-lo) do que a própria Ana:

²ESTE LIVRO

Meu filho. Não é automatismo. Juro. É jazz do
coração. É prosa que dá prêmio. Um tea for two
total, tilintar de verdade que você seduz,
charmeur volante, pela pista, a toda. Enfie a
carapuça.
E cante.
Puro açúcar branco e blue.


****
Sua poesia - pela velocidade, e também pelo uso contante de expressões em inglês - me lembrou muito Oswald de Andrade. Mas cabe dizer que as principais influências dela foram outras: S. Plath, K. Mansfield e Emily Dickinson, leituras que ela trouxe de suas viagens à Inglaterra, quando jovem.
"a teus pés" é um livro que reúne o volume de poemas do título mais outras obras publicadas por ela como "Correspondência Completa" (prosa) e "Luvas de pelica" (poesia). Aliás, na obra de Ana C. é estranho separar sua prosa e poesia, diria até impossível. Não há essa diferença, como bem observou Caio Fernando de Abreu, o estilo de Ana é esse, de prosas poéticas e poesias proséticas. A maioria dos textos de "a teus pés" soam como confissões (a palavra não é bem essa). Quero dizer que, em seus textos, Ana C. é muito passional, entrega-se. É íntima, sem receio (logo, sua poesia tem muito de autobiográfica)
São muitos os trechos que deixam bem claro o caráter intimista da poesia de Ana:

"Tarde da noite recoloco a casa toda em seu lugar
Guardo os papéis todos que sobraram
Confirmo para mim a solidez dos cadeados
Nunca mais te disse uma palavra."

"Tantos poemas que perdi
Tantos que ouvi, de graça,
pelo telefone, taí
eu fiz tudo pra você gostar
fui mulher vulgar
meia-bruxa, meia-fera
risinho modernista
arranhado na garganta"

"Sem você bem que sou lago, montanha
Penso num homem chamado Herberto
Me deito a fumar embaixo da janela.
Respiro com vertigem. Rolo no colchão.
E sem bravata, coração, aumento o preço"

Veloz e ousada - mas, ao mesmo tempo, muito elegante - Ana Cristina criou um estilo único, fator que diferencia os bons poetas dos demais.
Para terminar, mais um achado dessa poetisa apaixonante:

²CARTILHA DA CURA

As mulheres e as crianças são as primeiras que
desistem de afundar navios


************
Notas Inúteis:

¹Extraído de CÉSAR, Ana Cristina. Inéditos e Dispersos. Org. de Armando Freitas Filho.
²Extraídos de CÉSAR, Ana Cristina. a teus pés. Ed. Brasiliense. 4ª edição, 1978.

3 comentários:

  1. que texto boniiiiiito!

    parabéns, daiane.

    tenho muita curiosidade em conhecer a escrita da ana c. a telma scherer, sobre quem escrevi lá no blog, referencia a ana c. algumas vezes em seus poemas.

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  2. aeee, ítalo, seu burro!

    parabéns, eduardo, pelo texto.

    e mil desculpas pela desatenção

    ^^

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  3. hahahaha, acontece

    obrigado pela sua vista atenciosa ao daki-dali, ítalo

    =D

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