sábado, 14 de agosto de 2010

sylvia orthof e um pouquinho do seu teatro infantil (teatro infantil?)



eu gosto muito da sylvia orthof, essa "inventadeira de palco e escrita". Pra quem não sabe, Orthof começou sua carreira no teatro, atuando. Com o tempo, tornou-se uma das melhores autoras de livros infanto-juvenis do país. E ela escreveu algumas peças também, tão boas como seus livros. O que aprecio em seus trabalho é o bom-humor original dela. lendo seus livros e peças você até consegue imaginar como era a Orthof como pessoa: uma velhota bem doida! É um bom-humor meio espalhafatoso, meio maluco, que brinca com tudo.
Esse livro aí da capa, que está em milhares de escolas por aí, por fazer parte do programa "literatura em minha casa", do MEC, é uma peça adorável, bom exemplo pra comprovar a qualidade do teatro infantil de sylvia. Na apresentação da obra, feita pela amiga Ana Maria Machado, um primeiro toque: reparar no título da obra. Sylvia apropria-se de um verbo e subverte as leis da sintaxe, afinal... tá todo mundo cansado de saber que "chover" é um verbo impessoal, logo não pode ter sujeito... mas no título de orthof temos 3! E essa brincadeira com as palavras está em todo o livro, isso que é bom.
E quando falamos em teatro, não podemos parar no texto, pois o teatro não existe até ser encenado. E a sylvia se mostrar uma autora muito atenciosa: ao longo do texto, nos rodapés, deixa observações a quem pretende encenar. São indicações sobre o melhor jeito de criar certa fantasia ou cena, sempre pensando no público: as crianças. E a peça está repleta de músicas. Melodias de cantigas populares como o 'sambalelê' ou 'atirei o pau no gato' são aproveitadas para canções cantadas pelos personagens. As fantasias são muito divertidas. E simples! Com guarda-chuvas, baldes e chuveiros os personagens (o atrapalhado Pingo de Chuva, sua tia doida, o Senhor chuveiro -chefe mandão do pingo-, a Ovo de Peixe, o Ovo Bonifácio, a dondoca Sereia... entre outros) podem ganhar vida.
Como se não bastasse a graça que há em toda a cena, na cena final, ainda, uma divertida "missão" é oferecida aos espectadores: ajudar a carregar um elefante (imaginário!) pra fora de cena, junto com os personagens.
Para falar um pouco mais sobre o texto da peça, acho válido reproduzir uma opinião de Maria Clara Machado, outra dama do teatro para crianças:

"Verdadeiros aventureiros se lançam ou se atrevem a fazer teatro para criança, desconhecendo não somente a criança, ou melhor, ignorando-a, como desconhecendo também as regras básicas para se fazer um bom espetáculo; produção e direção de atores quase sempre postas em segundo plano, cenas mal ensaiadas, onde os atores, muitas vezes, apenas estão procurando sobreviver economicamente sem se empenharem realmente nos papéis que representam. O teatro de segunda classe, onde nem os críticos teatrais dos principais jornais se aventuram a ir para não morrer de tédio ou de vergonha. Preferem calar, silenciar, ou melhor, não assistir a tais espetáculos que estão sendo oferecidos todos os finais de semanas às crianças. E onde estão os pais dessas crianças? Precisam ocupar seus filhos, dar-lhes qualquer coisa aos sábados e domingos. Também eles não tiveram nenhuma educação para o teatro e pensam que aquilo que dão aos filhos são coisas que realmente só servem para crianças, porque muito enfadonhas e desinteressantes. E muitas vezes deixam os filhos na porta do teatro, porque não têm coragem de ver, ou melhor, de aguentar o espetáculo. O tipo de teatro que se faz geralmente para crianças tende a desenvolver a vulgaridade, o lugar-comum, a tendência ao excitamento coletivo, à dispersão, ao fácil... e ao comercial."

Longe desse teatro do fácil, do lugar-comum, do teatro-só-pra-criancinhas, a peça de orthof é pra quem gosta de rir. rir um riso inteligente, de quem de repente teve suas ideias provocadas. Quero dizer que o teatro dela não é bobo. Um exemplo vem dos personagens Senhor Chuveiro e a Sereia: ele é o legítimo mandão, é o chefe da vida real, aquele que manda e desmanda. e pobre do Pingo de Chuva! E a Sereia é a dondoca, fútil, que só pensa em sua beleza. e pobre de sua criada, a Ova de Peixe! Pois tem uma hora que os "criados" se revoltam e mandam eles às favas, numa clara demonstração da ideia que orthof faz do autoritarismo: a maior besteira. E, adiante, subvertendo o esperado... a criada Ova se transforma na Princesova de Peixova.
Eis aqui um trecho muito legal, no qual o Ovo Bonifácio se transforma num tal (doideira!) Príncipe Elefântico (ou seja, montado num elefante....que é um elefante Tromba d´Água! rsrs). Reparem que ao falar de casamento e divórcio, com muito bom-humor, esse trecho abrange questões nem sempre presentes num teatro infantil boboca, desses que, durante meia hora, acontece um pega-pega, o lobo correndo atrás do porquinho, e o porquinho correndo atrás do lobo, e aí o lobo esbaforido corre atrás do porquinho e aí o porquinho dá um gritinho e diz socorro e aí chega o caçador (e nessa hora, os pais acordam do sono, mas voltam a dormir) e aí, pois onde eu estava?
Ah, sim, o trecho da peça da orthof! Ei-lo:

OVA: Você é o meu querido Ovo Bonifácio?
PRINCÍPE: Sou eu! E como numa chuva tudo pode acontecer, choveu e aconteceu. Quer casar comigo, minha Princesova de Peixova? Até que o divórcio nos separe?
OVA: E se a gente quiser casar pra sempre?
PRÍNCIPE: Aceito! Está feito!
OVA: E o Elefantinho? O que a gente faz com o Elefantinho Tromba d'Água?
PRÍNCIPE: Como nós nos amamos muito, para que nossa felicidade não seja perfeita, pois tudo o que é bom demais enjoa, levaremos o Elefantinho para o nosso apartamento! Sempre vai atrapalhar um pouco... É bom, para não sermos totalmente felizes!

Resumo da ópera: Hilariante esse texto da Orthof. Eu fico imaginando a montagem dele, e o que vejo é uma peça engraçadíssima, que faz todo mundo cair na risada, criança ou adulto. a orthof é genial. Desde a escolha dos nomes dos personagens (o Ovo Bonifácio, namorado da Ova de Peixe), até as falas rápidas, repletos de trocadilhos nonsense, tudo é muito legal. Uma peça cheia de música e doideira, que interage com o público e que diverte do início ao fim.
Mas e aí, é peça pra criança? É, é sim. É só pra criança, então? É, é só pra criança. Ah então adulto não deve achar graça, né? Olha, Adulto-adulto, esses do dicionário, não acharão graça. É peça pra criança: adulto-criança, velho-criança, pai/mãe-criança, crianças-crianças, sobretudo. Do contrário, favor aguardar do lado de fora. E silêncio, pois começa a chover e o espetáculo vai começar!


Referências: A citação da Maria Clara foi extraída do livro "Literatura Infantil: Teoria & Prática", de Maria Antonieta Antunes Cunha. Ed. Ática. 1986.

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