sexta-feira, 8 de outubro de 2010

como não amá-las?

Oração

Na alcova com lâmpada
e sombras secretas
uma criança reza.

Vento que entre folhas
passas sussurrando,
se entrasses na alcova
em que reza a criança
reconhecerias
o mais tenro broto
que jamais abriu
o orvalho da noite.

O’ anjos de Deus
baixai vossos olhos
por entre as estrelas
contemplai, suspensos
aos elos da graça
o irmãozinho tenro
– sem céu e sem asas –
que de joelhos reza.

Na alcova com lâmpada
e sombras secretas
em que tua criança
de mãos postas reza
nem tu, Mãe, não entres:
Menino Jesus
deve estar presente.

(Henriqueta Lisboa)
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Estive relendo "O menino poeta" (desta vez numa edição da Peirópolis, lindíssima, com desenhos de Nelson Cruz), livro de onde retirei esse poema. Impossível não se apaixonar pelos versos da Henriqueta, tão lírica, doce. No livro, versa principalmente sobre a infância. Mas não se trata de um livro para crianças; e sim um livro que todos podem ler. Inclusive as crianças. Não há tatibitate, não há meros jogos de palavras. O que há são metáforas sensíveis, dessa moderna com jeito de clássico, ou o oposto disso, não importa. A leitura desse livro me acordou para um assunto que vivo matutando: a poesia para crianças. existe? certamente. e essa poesia destinada exclusivamente à criança é de boa qualidade? bom... assunto para postagens futuras. Por ora, deixo esse poema. Seu título religioso e a referência a Jesus enganam um leitor apressado: o tema desse poema é bem outro (é um poema universal, não importando se o leitor é ateu, budista, católico: a beleza está ali, sem credo). E qual tema? A criança. A criança e sua candura, que de tão cálida, torna o arredor repouso para Jesus, ente máximo da pureza. Mas com isso não quero dizer que, no livro O menino poeta, a visão que se passa da criança é a de um ser puro e ingênuo (para isso, vide o poema "Consciência"). Não confundamos. A criança desse livro ora é anjo, ora é capeta a fazer suas artes. Só lendo pra curtir. Mas hei de falar mais de Henriqueta aqui, por que ela merece. E quero falar mais sobre essa relação poesia & criança, ainda que eu não tenha muita experiência nesse campo. Se alguém tiver alguma contribuição, por favor, conte. Será bem-vinda. Por ora, fico com a sensação de paz e felicidade, que cada releitura do poema acima me traz.

Um comentário:

  1. é possível escrever com doçura sem ser piegas ou descambar pr'uma tola autoajuda.

    gostei do trecho e das tuas palavras.

    abração!

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