domingo, 29 de novembro de 2009

Marco e as três Marias



Eu e a Daia assistimos ontem à peça "Marco" lá na Ajote. O espetáculo dirigido por Samuel Kuhn é uma adaptação de "O livro de Marco" do escritor goiano Flávio Carneiro. Ficamos surpreendidos. Nós lemos o livro antes da peça e nos perguntávamos como alguém conseguiria encenar o livro. Parecia dificílimo (e deve ter sido). Mas o fato é que a Cia. Rústico deu um show.
No livro de Carneiro, é o próprio Marco quem conta sua história. Numa casa à beira do mar, Marco, já homem feito, começa a relembrar seus tempos de menino, o tempo em que fez as suas primeiras viagens em busca das estrelas cadentes. Seu pai, seu avô, seu bisavô...todos empreenderam viagens atrás das estelas cadentes. Marco conta sua história. Um dia chegou sua vez, e ele foi viajar. O livro é o relato de 3 estrelas conquistadas por Marco. Na primeira viagem, Marco está cheio de temores e questionamentos. Não sabe se vai ou se fica. Lembra dos conselho do pai sobre como encontrar e lidar com as estrelas, mas não consegue seguir todos. É impaciente, ansioso. É uma criança que de repente é apresentada ao mundo. Com a ajuda dos conselhos do pai e depois de muito andar, Marco encontra a primeira estrela. E estrela cadente quando cai na terra vira menina. O encontro com a primeira menina deixa Marco extasiado, hipnotizado. O encontro é rápido, mágico. Mas o suficiente para mexer com o coração de Marco. O menino a encontra dormindo. Ela acorda, trocam olhares (e ele tímido, perdido). Então ela sorri (e isso é tudo que basta para Marco, nesse momento). Logo ela adormece. Todo viajante que encontra uma estrela, dá um nome a ela. O menino não teve dúvida: seu nome era Maria. Adormecida novamente, é hora de partir. Partir ou ficar? Marco tem dúvidas. Mas seu destino parece escrito. Ele arrisca seguir viagem e acerta. A primeira Maria fica guardada no coração de Marco. Fugaz.
O que eu e a Daia achávamos difícil, era transportar toda essas imagens ricas do livro de Flávio carneiro para o palco. Como fariam isso? Ingenuamente, eu e Daia não conseguíamos pensar de que forma um único ator conseguiria contar a história, sem a ajuda de vários recursos. E eles conseguiram. O ator Vinícius da Cunha (ótima atuação) é Marco na peça. O início da peça é calmo, sereno. Afinal, Marco está olhando para seu passado, percorrendo lembranças. Logo percebemos a linguagem que a Cia Rustico escolheu para contar a história: gestos. Muitos gestos. Gestos que, combinados com uma trilha sonora e uma iluminação fantástica, resultaram numa das peças mais belas que vi. É coisa que não cabe no papel. Só vendo mesmo para entender. O ator, encarnando Marco, conta a história, ora no ritmo da música,
ora dialogando com a iluminação.
Aliás, a importância da luz e do som fica ainda mais clara na segunda viagem de Marco. Depois da primeira emoção (a descoberta), o primeiro contato (fugaz e estonteante), Marco está sedento por encontrar uma nova estrela. Uma nova Maria. Antes de encontrá-la, Marco tem um sonho: ele, correndo dentro do vulcão, cercado por um fogo que não queima (lembrou o fogo que arde sem se ver do camões, né?). No fundo do corredor, uma porta negra. No topo da porta, uma estrela. E Marco, no sonho, corre, corre e não alcança a porta. Em dado momento, a porta se abre e ele vê uma menina (é maria!). E ele corre, e ele corre e não alcança. Então, acorda de seu sonho. Seria mesmo dentro de um vulcão que Marco encontraria a segunda estrela. A metáfora das transformações da adolescência chega aqui em seu ápice (mas não fim): é a paixão, o fogo, o calor, o sonho erótico, a tentação. É o mundo todo explodindo na cabeça e no corpo de Marco. Nessa cena, Vinícius da Cunha ferve como Marco, as luzes dançam, vermelhas-amarelas, e piscam, e há fumaça, e a música techno bate e bate, e Marco corre e corre, e Maria pega em sua mão, e o calor aumenta, ele se sente bem, o coração bate e bate, as luzes dançam, e Marco dança, dança vermelho, calor calor. É a paixão no coração, paixão amarela. E Marco mergulha de cabeça e sem medo no fundo do vulcão. Paixão. A segunda estrela, a segunda Maria também se vai e fica guardada no coração de Marco. Ardente.
Marco, caminhando em busca da terceira estrela, começa a pensar que ele tem um passado. Sim, ele tem. Não é mais o menino que mora nas histórias contadas pelo pai. Ele tem agora a sua história. Depois do susto descoberta, da eletricidade da paixão... Marco caminha com o coração limpo para sua terceira estrela. Perto do mar, ela cai. Marco caminha muito. Chega à praia exausto e deita-se na areia e adormece. Então, sente uma presença. Alguém lhe acaricia. Ele não precisa ver quem é: é Maria. É quem ele tem buscava ao longo de todas as suas viagens. Maria pergunta a Marco se ele faria algo para sempre. Marco titubeia. Do que ela fala? Acha que diria não. Mas logo percebe que ela, a Maria, é a estrela dele. É o que ele buscava por toda as milhas caminhadas. É seu porto. seu céu. É Maria. Sua terceira Maria. É sua constelação: 3 marias. A terceira Maria parte, mas parte com Marco. Para sempre. A terceira maria. Amante.
Vou me repetir, mas preciso dizer novamente que fiquei encantado, maravilhado com tudo. Com o trabalho de Vinícius da Cunha, que além de encenar muito bem, foi o responsável pela pesquisa dos gestos do persinagem. Vinícius não contou simplesmente com o gogó a história. Cada palavra tinha um gesto seu. O corpo dele contou a história também. Em certos momentos, Vinícius abriu mão das palavras. A plateia já estava familiar com suas expressões corporais e compreendeu. O corpo do ator falando.
Devo também assinalar a bela direção de Kuhn. Essa peça foi uma sintonia perfeita
de linguagens: o corpo do ator, a voz do ator, a música de fundo, a luz. Tudo. Maravilhoso. E é claro, encantador também é o livro de Marco, que gerou a adaptação. Flávio Carneiro construiu uma história belíssima e muito sensível para desenhar a adolescência com todos os seus componentes. Todos os seus medos e desejos.

6 comentários:

  1. oi,
    ufa, acabei de ler. vcs não fizeram um comentário, mas uma resenha da peça, gostei mto, vou agora mesmo encaminhar para o restante do povo da rústico.

    em breve faço uma postagem especial a resenha de vcs.

    abraço
    Maikon k

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  2. Foi perfeito mesmo! Ainda não li o livro, mas foi um grande espetáculo. Adorei a expressão: "o corpo do ator falando". Esse foi o diferencial da peça.

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  3. Oi,

    Muito obrigado pelas palavras, por este olhar sensível, atento e detalhista acerca do nosso trabalho. Isso dá força para continuarmos com aquilo que construímos até então. Fomos presenteados com O Livro de Marco. Flávio Carneiro tem uma escrita linda, apaixonante. O retorno de vocês é essencial, afinal o teatro a gente faz para o outro. É muito compensador ler palavras generosas e sinceras. Obrigado.

    Abraço forte,

    Vinicius da Cunha
    Cia. Rústico Teatral

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  4. Oi,

    aqui é o Maikon, da equipe da peça. Valeu por cada palavra escrita.

    Abraço,
    maikon k
    www.vivonacidade.blogspot.com

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  5. o meu último comentário era com a inteção de passar o endereço do meu blog, mas tive que agradecer mais uma vez.
    hehehe
    maikon k

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