sábado, 26 de junho de 2010

O menino camelô, a poesia, e o professô

VÔO TRISTE E VÔO ALEGRE

Enquanto a andorinha
na tarde, sozinha
viaja tristinha,
de flor em flor
voa o beija-flor
num miniventilador

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Este poema aí de cima é um dos meu preferidos do livro "O menino camelô" (nome de um dos poemas), de Cyro de Mattos. Não preciso dizer, novamente, que o público alvo é o infantojuvenil, mas que é uma poesia destinada pra todo mundo, né? Bem, gostei também de poemas como "Urubu", que é muito simples, quase bobo, se a gente lê com pressa. Mas se para pra pensar... quem seria, quem seria esse "Urubu na valeta/de guarda-chuva e maleta" ou o "Urubu na escola/dá lições de vida?
São poemas divertidos, alguns bem delicados, outros toscos - com tom nonsense (adoro ^^). Mas todos fazem pensar. As ilustrações são do excelente ZeFlávio Teixeira, em tons meio "apagados": marrom, creme, laranja, diferente da habitual enxurrada de cores. Na verdade, trata-se de uma coleção da editora Atual, reunindo quatro títulos de poesia, com projetos gráficos semelhantes. O livro tem dimensões um pouco maiores que o comum; eu gostei.
Outro de que gostei muito:

O AMIGO-FOLHAGEM

Lá vem o Amigo-Folhagem
trazendo na sua bagagem
o verde de todas as folhas,
o verde de todos os mares.

Lá vem o Amigo-Folhagem
dizendo na sua passagem
que não tem medo de leão
e muito menos de visagem.

Lá vai o Amigo-Folhagem
pássaros cantam nas árvores
dois pousam em seus ombros,
o sol desfia ouro pelos ares.

Lá vai o Amigo-Folhagem
na direção da floresta,
leva bichos, Manhã e Noite
como companheiros de viagem.

Tem no Vento um velho amigo
que o acalenta quando dorme.


Selecionei esse poema pela sua delicadeza, e também por achá-lo muito propício para uma discussão sobre a singeleza da poesia [pensando em uma sala de aula], muitas vezes feita de cantos, retalhos e detalhes; um poema bom para nos fazer pensar em que consiste o ofício do poeta, como um poema se constrói. Muitas perguntas podem ser feitas ao poema:

- Por que será que palavras como "Vento", "Manhã" e Noite" estão em maiúsculas?
-Repararam no movimento "Lá vai/Lá vem", sendo que o Amigo Folhagem vai nas duas primeiras estrofes e vem na terceira e na quarta? Por quê, qual a intenção (ou intenções) dele?
- E esse Amigo-Folhagem? Seria algum bicho, alguma planta conhecida? Ou seria alguém inventado pelo poeta? Não lembra o Bicho-Folharal, aquele das histórias populares? (que tal ler com os alunos a história antes?)

Eu ainda não sou professor, tenho certeza que preciso aprender muito ainda para saber apresentar futuros alunos aos livros, mas amor por poesia já tenho, e acho que é um primeiro passo. E, também, é claro que não sou a favor de aulas-cirúrgicas, em que poemas são destrinchados e contabilizados como se fossem coisas óbvias. Poesia é pra se curtir, e só. Mas quem curte, indaga, pois tem curiosidade. Assim é que eu vejo o caminho para trabalhar poesia na escola. E, bem, um poema pode (e o bom poema é assim) ter várias interpretações. As crianças, imaginativas como são, são o público ideal para esses poemas bem feitos, multiplicadores de imagens e palavras, encontrados em livros como "O menino camelô".

2 comentários:

  1. essa discussão que tu propões é realmente boa. da singeleza da poesia. e do como levar isto aos alunos. ô trato dificin, rs. mas para isso que aí estamos lendo esses montes de coisas, né, não =D

    gosto dos teus textos por isso, pelo que eles propõem de pensar para além deles mesmo.

    abração!

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  2. Estou lendo "A Cor da Ternura", de Geni Magalhães. É um livro infanto-juvenil. Leio no ônibus. Hoje, um senhor sentou ao meu lado, quis puxar assunto, perguntou o que eu estava lendo. Respondi, quase envergonhado, que era um livro de crianças. "Todo livro é um livro para crianças", ele então me disse. Lição que nunca deveríamos esquecer...
    Abraços!

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