domingo, 31 de janeiro de 2010

A vida íntima de Fernando Pessoa

Se existisse (calma, é só uma brincadeira, não um desejo) um programa desses de fofocas que cuidasse da vida pessoal dos escritores, ele pouco citaria Fernando Pessoa, o fechado Fernando. Numa das cartas à sua amada, Ophlia (com quem teve um relacionamento instável, que não teve sucesso, marcado por uma interessante troca de cartas), diz: "a minha vida gira em torno de minha obra literária - boa ou má, que seja, ou possa ser. Tudo o mais na vida tem para mim um interesse secundário." E a busca da felicidade amorosa do poeta, resume-se a esse malogrado relacionamento. Tudo o mais de sua vida é sua obra. Fernando via limpidamente sua sina. Se existisse o programa dos escritores, certamente seria composto por exageradas investigações amorosas: Henry Miller & Anais Nin, Sartre & Beauvior, Rimbaud & Verlaine. Ou quem sabe, perseguições aos escritores recolhidos, afastados da correria do mundo, como Nassar ou (oh, ele morreu) Salinger. Ou ainda, devanear sobre as possíveis causas que levaram gente como Hemingway ou Woolf ao suícídio. E o Euclides da Cunha, então? Amanhã, reportagem especial. Dossiê Euclides. Não percam!
Bem, voltando ao que interessa, posto abaixo uma dessas cartas. Retiro ela de "Quando fui outro", uma antologia de poemas, cartas e trechos de prosa (do maravilhoso Livro do Desassossego) deste que é o meu poeta preferido. Carta dele para seu Terrível Bébé, Ophélia Queiroz. Essa é a carta de que mais gosto. Nem vou dizer por que. Apenas leiam.

TERRÍVEL BÉBÉ


Gosto das suas cartas, que são meiguinhas, e também gosto de si, que é meiguinha também. E é bombom, e é vespa e é mel, que é das abelhas e não das vespas, e tudo está certo, e o bebé deve escrever-me sempre, mesmo que não escreva, que é sempre, e eu estou triste, e sou maluco, e ninguém gosta de mim, e também porque que havia de gostar, e isso mesmo, e torna tudo ao princípio, e parece-me que ainda lhe telefono hoje, e gostava de lhe dar um beijinho na boca, com exactidão e gulodice e comer-lhe a boca e comer os beijinhos que tivesse lá escondidos e encostar-me ao seu ombro e escorregar para a ternura dos pombinhos, e pedir-lhe desculpa, e a desculpa ser a fingir, e tornar muitas vezes, e ponto final até recomeçar e porque é que a Ofelinha gosta de um meliante e de um cevado e de um javardo e de um indivíduo com ventas de contador de gás e expressão geral de não estar ali mas na pia da casa ao lado, e exactamente, e enfim, e vou acabar porque estou doido, e estive sempre, e é de nascença, que é como quem diz desde que nasci, e eu gostava que a Bebé fosse uma boneca minha, e eu fazia como uma criança, despia-a e o papel acaba aqui mesmo, e isto parece impossível ser escrito por um ente humano mas é escrito por mim.


Fernando
09-10-1929


PS: *___*

3 comentários:

  1. Realmente uma carta fabulosa. Assim como todo os dois livros dele. Focando no desassossego,do seu heteronimo Bernardo Soares, Fernando exposto nas entre linhas de Bernardo é muito fechado. Talvez, melhor: com certeza, foi solitário e amou apelas sua deusa Bébé {Ophlia!

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  2. eduardo, que trecho maravilhoso escolhido por vc!

    e eu adorei o teu texto inicial, citando os autores "sumidos". rs...

    parabéns pelas duas coisas! :D

    o fernando de que mais gosto é o caeiro.

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  3. valeu as visitas!
    caeiro é muito sensível. bom demais
    mas eu ainda sou mais o Campos. ^^

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