quarta-feira, 21 de abril de 2010

Fazendo Ana Paz



Adorei Ana Paz!

O livro é narrado por uma escritora que conta sua relação com alguns de seus personagens: ora é a busca dela por suas criações, e ora são os personagens que vão atrás dela. Belo drama criativo: os personagens surgem de repente, mudam tudo o que a escritora planejava pra seu livro, às vezes somem (para desespero da escritora) e às vezes ressurgem, já bem mudados. Tem muito de Lygia nesse livro aqui. Todo livro dela é assim, né? Mas aqui temos muito da Lygia-escritora, em seus momentos de criação. Afinal, a narradora dessa história é um alter-ego de Lygia. Três personagens centrais guiam a história. mas não se trata de um caminho linear, nem "guiar" é o verbo correto. Três personagens que saltam da categoria de meros persoagens estáticos, à espera da sanção da autora quanto a seus destinos. Três personagens que tumultuam o caminho da história, e que fazem deste "Ana Paz" um livro dfragmentos, de tentativas. Vários pedaços de histórias, que juntas, numa bricolagem (acho que posso dizer isso), resultam numa história só, muito ampla, que abrage narrador, personagens e escritor, criador e criaturas que se avizinham.

Quanto à linguagem... ah, é a velha linguagem bojunguiana de sempre: velha, no sentido de conhecida, de habitual, de caseira, porque a linguagem de bojunga é uma delícia (eu sempre digo isso), moderna, rápida, um samba (lembrei de "Os colegas" agora), um ritmo sem-igual.

Curioso notar que o cenário escolhido ara as três grandes personagens (criadas pela narradora, pois se fossêmos falar em grandes personagens do livro "Fazendo Ana Paz", seriam 4, pois incluiríamos a narradora, às voltas com sua história eteramente em construção), o cenário escolhido é uma casa. Nesse caso, trata-se da casa onde Ana Paz (todas as três personagens são Ana Paz, mas em momentos diferentes da vida: criança, jovem, idosa) passou sua tumultuada infância, marcada por lacunas e fragmentos (e veja! não é este livro marcado por fragmentos e lacunas?). Nessa casa, as três Ana Paz se encontram. É curioso porque não é a primeira vez que Lygia enche uma casa de simbolismo, que Lygia usa uma casa como metáfora para algo dolorosamente humano:

Em "A casa da Madrinha", outro livro da autora, protagonizado pelo menino Alexandre, a casa representa uma fuga da realidade dura para a fantasia. Lá a casa é um lugar íntimo, onde se realizam os desejos que mal conseguem ser esboçados na vida difícil do menino. Aqui, em "Fazendo Ana Paz", a imagem da casa representa a volta ao passado, à infância, à juventude. Essa é a história de Bojunga com menos linearidade na narrativa, justamente pelos fragmentos que falei há pouco; e mais ainda, justamente pela intenção da autora: uma volta ao passado para reconstruir os fragmentos. Reconstrui a casa. Reconstruir o tempo! Não se trata de uma volta para a contemplação; é uma volta para acertar as contas com o passado, consigo mesmo. Novamente, Lygia usa a "casa" como um lugar íntimo, humano, dolorasamente humano.

2 comentários:

  1. oi!

    só pra dar ainda mais ressonância às tramas da Lygia:

    vcs já leram 'a poética do espaço' do bachelard?

    segue o sumário (em mim dá cosquinhas nas mãos, que querem folhear, e nos olhos, que querem .re.ler):

    (1) a casa. do porão ao sótão. o significado da cabana (2) casa e universo (3) gavetas, cofres e armários (4) ninhos (5) conchas (6) cantos (7) miniatura (8) imensidão íntima (9) a dialética do fora e do dentro (10) a fenomenologia do redondo

    ...

    o texto completo está n'os pensadores. também tem uma edição da martins fontes. são tradutores diferentes.

    . acho que dá o que devanear .

    .

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